Sinceramente, o que ainda esperar dos videogames?

Como as constantes frustrações recentes com anúncios de jogos tem relação com o amadurecimento dos videogames, que força o seu público a amadurecer também.

Erick Lúdico
7 min readJun 1, 2023

Estamos em junho, o mês de hypar os anúncios de novos jogos! Isso é ou não é empolgante?

Mesmo sem o evento E3, teremos os nossos dias de “carnaval gamer”. Inclusive, até tivemos um evento da Sony, o Playstation Showcase!

Ué? Não foi bom? Não te convenceu a comprar um novo Playstation?

Mas, e o remake de Metal Gear Solid 3? Alan Wake 2? O novo jogo da Bungie? Tivemos uns 10 minutos de gameplay de Spider-Man 2. Fora isso, Street Fighter VI e Final Fantasy XVI está praticamente entre nós. Como não ficar animado?

Deixando o personagem caricato de lado, o evento da Sony teve uma série de anúncios, onde boa parte desses jogos tendem a ser bem-sucedidos, das grandes produções aos títulos independentes. O ritmo não foi dos melhores, sobretudo, na ordem dos anúncios apresentados, porém, segue a fórmula padrão desses eventos e é um show de hype que costumamos ver.

Dito isso, sinceramente, fiquei confuso em ver manifestações tão ferrenhas de decepção com Playstation Showcase. Havia sim uma expectativa diante de notícias que diziam que o evento seria bombástico. Mas, sério, dá mesmo para apostar em alguma coisa a mais nessa gestão do Jim Ryan na Sony?

É ou não é nossa falta de empolgação?

Tem sido comum, de algum tempo, e não só por parte da Sony, as pessoas manifestarem seus descontentamentos com eventos de anúncios de jogos, a ponto de vermos comentários com afirmações de que cada ano está pior que o outro. O que é pura mania de reclamação e o esquecimento seletivo de eventos do passado, dando uma impressão que a norma eram momentos como a conferência da Sony na E3 de 2015.

Existe uma falta de tesão pelos anúncios de jogos? É perceptível isso. Mas não vamos personalizar, no sentido de concentrar no fato de “estamos ficando velhos”, ou que já “jogamos coisas demais”. O descontentamento desses eventos não se restringe a gerações específicas.

O que pode estar por trás desse nosso sentimento, é que passamos a notar o peso da maturidade que a mídia dos videogames atingiu.

Na vida adulta, vamos perdendo o encanto por alguns aspectos da vida. Não é possível manter expectativas ingênuas sobre determinadas coisas. Essa lógica pode ser aplicada aos videogames, porém, não se preocupem, o texto não tem um tom pessimista.

Chegamos no outro lado do horizonte

Todo esse momento que a gente vive hoje, já começava a dar indícios há uns 10 anos, quando estávamos na transição da sétima para a oitava geração de consoles. Na época, observávamos o Xbox One começando a sua história correndo atrás de um prejuízo causado por um erro de comunicação. Enquanto isso, o Playstation começaria sua corrida para se tornar o segundo console mais vendido da Sony.

É bom lembrar que o começo dessa geração contou com questionamentos, falavam que não havia jogos que fossem bons o suficiente para comprar esses novos consoles, isso lhe é familiar?

A partir de 2015 em diante que passamos a ter os jogos considerados essenciais para essa geração. Além disso, o cenário indie se tornou indispensável no ecossistema de lançamentos, como também a chegada do Nintendo Switch.

The Witcher 3 foi um dos títulos que marcou a consolidação da oitava geração de videogames.

Apesar de uma corrente positiva na indústria, algo estava aparente: a falta de um salto tecnológico como em gerações passadas, a falta de sensação de como o futuro vai ser incrível, mal posso esperar.

O que vivemos na década passada já dava indícios de que os videogames iriam estagnar na questão tecnológica, no que diz respeito a impacto na percepção dos entusiastas.

Cada vez se torna mais raro ter encantamento de quando se via um vídeo em CG no Playstation 1, a fluidez impressionante do primeiro SoulCalibur no Dreamcast e todo o deslumbre na hora de lidar com um jogo de mundo aberto pelas primeiras vezes.

Sobre esse tema dos gráficos realistas terem alcançado uma espécie de “teto”, já abordei em outro texto por aqui, que serve para complementar esse.

CG de Chrono Cross no Playstation 1

Tudo o que já foi empolgação, hoje é familiar. Isso não é apenas na questão visual, mas a consolidação de sistemas de gameplay em diferentes gêneros e subgêneros. Salto geração representa novas formas de jogar, o poderio tecnológico ampliando possibilidades de interação.

Estamos chegando no outro lado daquele distante horizonte que víamos no passado com tanta empolgação. Tudo está muito terreno, tudo muito familiar.

Já passamos dessa fase de experimentação, de não haver, por exemplo, a busca de uma gameplay ideal para um jogo de ação em três dimensões, como foi o impacto do primeiro Devil May Cry. Superamos também o dilema de que era impossível uma experiência satisfatória de tiro em primeira pessoa num controle.

A experimentação que vimos atualmente está mais restrita a mecânicas e dinâmicas bem específicas de gameplay.

Devil May Cry, título que foi um marco para jogos de ação em três dimensões

Videogame e o desafio de ser uma mídia consolidada

Diante da percepção de não há nada de tão diferente por vir, existe uma reação inconsciente de negação, afinal, não existe mídia que mais “vende sonhos” que os videogames, não é?

Em uma breve projeção futura, podemos nos amparar numa mídia que é tão comparada com os videogames: o cinema. Apesar da produção dos filmes serem influenciadas por inovações tecnológicas, as regras da linguagem cinematográfica são bem definidas. O que atrai nosso interesse em determinadas obras ao invés de outras é a premissa de seu enredo, a temática, estilo visual e seguindo para os responsáveis, diretores e atores, etc.

Esse raciocínio é claro porque o cinema já de cara alcançou o “realismo” em sua forma, então, trazer o real sempre pareceu o padrão. Diante disso, como dinamizar o que já está estabelecido para atrair interesse? Por que não experimentar com as regras ou ir “brincando” com a linguagem?

O diretor Georges Méliès foi notável por logo após a invenção do cinema, produzir filmes com efeitos especiais.

Os videogames surgiram com a brincadeira dos códigos de programação. O exemplo mais clássico é o Spacewar de 1961, de um computador voltado a funções de trabalho passando a servir a outro propósito, no caso, a criação de um jogo por estudantes do MIT.

A não seriedade em encarar os videogames possui uma relação com a falta da representatividade do “real”, é só lembrar da abstração dos títulos do Atari, em como a nossa imaginação preenchia o nosso entendimento do que eram aqueles pixels.

O fator lúdico foi perdendo força e com a possibilidade de se parecer como outras mídias estabelecidas em trazer o “real”, o videogame foi sendo taxado, aos poucos, de algo mais maduro.

Spacewar! de 1961

O caminho do videogame, no entanto, era mais árduo por seu fator interativo, o controle nas coisas em tela precisava ser algo convincente. Nisso, quando hoje em dia parece tudo tão estabelecido, o que ocorre é o que falei alguns parágrafos antes: “o real se torna o padrão”.

Nós já temos jogos com uma fidelidade gráfica como um Red Dead Redemption 2. Podemos também explorar espaços de escala universal como um No Man’s Sky. Portanto, todas essas possibilidades, se não já saciadas 100%, passamos atualmente a ter uma ideia bem clara do que essa experiência parece ser.

Você já parou para pensar o que porque das empresas estarem tão desesperadas investindo em experiências cada vez mais imersivas como óculos de realidade virtual, dentre tantas outras coisas nesse sentido?

O futuro precisa ser sedutor, a tecnologia precisa caminhar para frente, a necessidade de consumir o que há por vir precisa estar no nosso imaginário, por mais intangível que pareça.

É nesse aspecto que os jogos indies são tão fundamentais nessa mídia. Eles trazem, justamente, as novas dinâmicas nessas regras que já estão sendo engessadas, não só na parte visual, mas na jogabilidade, e nisso, os videogames tem um grande diferencial comparado a outras mídias.

O cenário independente é o que impede um novo crash dos videogames, por mais que a indústria tente engessá-los também, como é bastante perceptível no The Game Awards, por exemplo, já me manifestei um pouco sobre isso em outro texto que escrevi.

Então, os videogames estão menos empolgantes?

Assim, se você mantém as mesmas expectativas que tinha há 20 ou 10 anos, sinto lhe dizer, mas, o que não vai faltar é decepção.

Isso é a mesma coisa que permanecer vivendo num “o que você quer ser quando crescer”, mantendo a mesma ingenuidade de quando se era criança.

Segundo essas palavras, se você quiser ter uma conclusão de que estou sendo pessimista com os videogames, escolha sua. Não é sobre pinta um cenário trágico, é só uma questão de alinhar as expectativas. Na vida, em condições normais, sempre acabamos encontrando felicidades genuínas, momentos que valem a pena serem vividos, e nos videogames não é diferente.

Acredito que diante de tudo que foi mencionado nesse texto, o grande ponto positivo é uma chance de um amadurecimento do público que consome videogames em estabelecer com mais clareza: que tipo de experiência cada tipo de jogador almeja.

Nisso, cada um de nós pode responder a pergunta do título: o que ainda esperar dos videogames?

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Erick Lúdico

Designer | Mestre em Comunicação | Penso, falo, pesquiso, escrevo e etc sobre videojogos 🎮