E quando o realismo nos gráficos se tornar irrelevante?

O que acontece depois de atingir a perfeição?

Erick Lúdico
6 min readNov 23, 2019

É bem importante, antes de qualquer coisa, falar sobre impressionismo…

Numa pesquisa rápida dá para ver que surgiu no século XIX e seus autores buscavam romper com o realismo, que nada mais era que buscar a perfeição daquilo que retratavam, como a forma e as cores. Os pintores do impressionismo selecionam uma realidade, como uma paisagem e, a partir de um olhar diferenciado, traduziam aquilo que queriam realçar do que era observando, para que esse perspectiva, através da obra, se construísse sobre o objeto real.

O impressionismo foi olhado com muito preconceito por quebrar as regras dos estilos vigentes da época, no caso uma linha mais realista como mencionei. Mas no final do século XIX suas ideias foram incorporadas pelos artistas e partir daí surgiram outros movimentos que influenciaram a arte, nos trazendo ao que nós vivemos hoje, que é…

…talvez a mesma coisa, só que com representações digitais.

Gráficos como imagem para validar nosso gosto por videogames

É sempre comum associarmos a evolução dos videogames com a mudança dos gráficos, de como Pitfall no Atari se tornou Uncharted no Playstation 4. A imagem visual realmente nos chama primeiro a atenção, por isso que esse é o tipo de comparativo que vem a nossa mente quando paramos para pensar na tal evolução dos videogames.

Experimentei, há pouco tempo, perguntar para pessoas o que elas mais gostam em um jogo, ou porque elas gostam de jogar. Nas respostas, um número pequeno cita os gráficos. Não sabendo bem se a pessoa se referia só ao visual bonito de texturas e efeitos, ou se era a base gráfica do jogo, que no caso permite a física por exemplo, e realmente é essencial para todos os jogos.

Mas enfim, enredo, jogabilidade, diversão, prazer costumam ser os termos que as pessoas mais utilizam para enfatizar seu gosto pelos videogames. Conseguimos ter essa noção até de quem é produtor de conteúdo dos grandes, até mesmo uma ou outra fala bonita vindo das principais empresas.

No meio disso tudo, às vésperas de um Game Awards, vemos o seu idealizador com esse tweet:

Geoff Keighley usa três imagens para dizer o porquê ama videogames

Conheci esse tweet a partir do Henrique Sampaio, do Overloadr, que chama a atenção da imposição da indústria sobre o tal do realismo gráfico, por meio de como o idealizador da premiação mais popular dos videogames compartilha o porquê ama videogames.

Existe uma prateleira dos jogos mais importantes de um ano, a grande maioria deles são os grandes lançamentos, com os melhores visuais, sistemas mais complexos e bastantes horas de duração. Toda a complexidade desses jogos depende de um hardware poderoso que por sinal é caro, uma fatia pequena da população, sobretudo num país como o Brasil, tem acesso a esse tipo de videogame, e nem entrei no valor dos jogos individualmente. Para um jogador acessar essa prateleira dos melhores jogos, vivenciar “as melhores experiências” que a mídia tem a oferecer, é necessário estar por dentro dos grandes AAA.

Half-Life, em 1998, revolucionou a gameplay de jogos de FPS, instituindo a jogabilidade mouse e teclado como conhecemos, uma narrativa que dá seguimento a eventos sem tirar o controle do jogador, sem interromper o fluxo com uma cutscene. Half-Life 2, de 2004, mostrou uma qualidade absurda para a época de gráficos e física, diretamente responsável pela dinâmica presente no decorrer da campanha do jogo, fora as outras qualidades aprimoras do primeiro título. Acho que nesse resumo dos dois jogos, dá para ver que tal evolução dos videogames está além da passagem de um gráfico low poly para um high poly.

Gráficos têm um limite e é bom prestar atenção nisso

Costumamos dividir a história dos videogames por gerações de consoles, onde cada nova consistia em uma escalada gráfica que se traduzia em novas possibilidades de jogar. Assim aconteceu com a mudança especialmente da quarta para a quinta geração, gráficos pixelizados deram lugar a polígonos, e jogos no eixo 2D para a popularização do 3D. As duas mudanças seguintes causaram um impacto por conta dos gráficos, dessa mesma expectativa de novas possibilidades de jogar. Mas da geração anterior para a atual e as discussões da mudança para os novos consoles não passam pela mudança dos gráficos.

Existem componentes externos que de certa forma está longe de causar o impacto de vislumbrar formas de jogar, posso citar o tipo de multiplayer online que surgiu com o Demon’s Souls em 2009, que foi mais usar uma ferramenta de forma criativa. As mudanças mais drásticas como controles de movimento e realidade virtual seguem por um caminho completamente diferente e restrito a um tipo de público, enquanto o joystick na mão continua sendo o grande portal para o mundo lúdico.

Final Fantasy VI (1994), Final Fantasy VII (1997)
The Last Of Us (2013), The Last Of Us Part II (2020)

As perspectivas que se apresentam são mais serviços, tecnologias adicionais como a realidade virtual citada, do que o vislumbre de novas possibilidades de se jogar da maneira convencional, de interface manual. Será que chegar ou não a um jogo de 120 frames por segundo ou a resolução da tela ser 8K vai causar o mesmo impacto?

Se depender dos gráficos, nós já não temos mais nada para vislumbrar, temos os jogos quase tão reais quanto a vida real, os mapas tão grandes quanto a infinitude do universo. Porém os jogos que as pessoas mais jogam são de graça, de visual cartunizado e há mais variedade de roupinhas que ambientes grandiosos para interagir.

Os gráficos têm tanto limite quanto o realismo na pintura, os impressionistas sofreram tanto preconceito quanto os jogos independentes sofrem hoje. Mesmo em 2018, existiu por parte da comunidade de jogadores uma raiva por um joguinho pixelizado, chamado Celeste, estar ao lado desse tal “Olimpo” invisível que estava God Of War e Red Dead Redemption 2.

Apesar de existir o gosto pelos videogames por conta da diversão, jogabilidade, de uma história e temáticas interessantes, o realismo gráfico ainda persiste no inconsciente coletivo dos jogadores, uma validação do que se entende como um jogo pode carregar todos esses critérios com eficiência.

Num futuro próximo, os gráficos vão atingir o ponto zero de diferença com a realidade que a gente vive. O que você vai continuar esperando dos videogames em relação ao jeito que se acostumou a jogar?

O futuro já aconteceu e já acontece

Pense em como um dia, os consoles tentavam representar músicas e efeitos sonoros pelas limitações de sua época, e como que com a reprodução perfeita de áudio por conta dos CDs, buscou-se aproveitar todas referências sonoras para dinamizar as experiências nos jogos. Não uma perseguição da qualidade de som perfeita, com 0,000000% de ruído.

Tirando a perseguição da simulação sensorial 100%, por meio de dispositivos auxiliares. A tendência é a desconstrução da tecnologia, acontecer o que já existe, jogos com estéticas super variadas como o realismo na pintura coexiste com surrealismo, impressionismo, pontilhismo, cubismo, grafitti etc. No entanto, mais pessoas estarão mais cientes que não existe uma tendência predominante definida para se gostar de um jogo, acompanhar o que de melhor a indústria pode oferecer.

Assim como em outras mídias, deixar de acompanhar filmes blockbusters cheios de efeitos especiais não impede de sentir que está aproveitando o potencial da linguagem do cinema com obras mais modestas em termos de produção. Assim como desejo, até pela maior autonomia de escolha de cada pessoa, que possa se sentir aproveitando o potencial cultural dos videogames, livre do sentimento de estar perdendo algo por não estar gastando 250 reais em um jogo.

Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.

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Erick Lúdico

Designer | Mestre em Comunicação | Penso, falo, pesquiso, escrevo e etc sobre videojogos 🎮