Os novos 10 jogos favoritos da minha vida

Erick Lúdico
18 min readAug 24, 2021

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Há 5 anos, eu havia feito um vídeo falando dos meus 10 jogos preferidos da vida. Não imaginava que passado o tempo, mudaria tanto a visão que tenho sobre videogames. Um reflexo natural da passagem do tempo não é?

Em resumo, posso dizer que há dois fatores principais responsáveis por isso:

  • 2016 foi o ano que passei a gostar definitivamente dos jogos indies. Eles oferecem tipos de experiências que, ao meu ver, são mais originais e criativas, as quais tenho preferido em relação a maioria dos AAA.
  • Passei a estudar os videogames de forma acadêmica. Fiz um mestrado em comunicação falando sobre jogos, algo que, lógico, mudaria bastante o jeito de me deparar com novas experiências e, mais do que isso, passei a refletir sobre tudo que havia jogado até então.

Considerações feitas, apresento os meus dez jogos favoritos da vida. Uma lista que pode mudar daqui há alguns anos, mas, é bom deixar um registro para, daqui há 5 anos, fazer um novo comparativo.

*Lista atualizada em 27 de março de 2022.

10. Final Fantasy VI (1994)

Final Fantasy VI é um jogo que mudou minha visão logo na infância, ele me fez notar que videogame tem algo além de apertar botões e se divertir. Foi o primeiro contato que tive com RPGs de maneira geral. Lembrar de cada aspecto desse jogo me desperta sentimentos únicos, não é algo restringido a nostalgia, mas é continuar me impressionando com o que ele fez, e como fez, na época em que foi lançado.

Ele é o último jogo da série a utilizar o estilo pixelado, antes de partir para os gráficos em 3D e estourar como referência visual. Mas, o avanço tecnológico não destrói o impacto que é o começo de Final Fantasy VI. A construção da narrativa não é limitada pelo visual pixelado, algo que é constatado durante toda sua experiência de jogo.

A trama principal se concentra na resistência contra um império que ameaça todo o mundo. Final Fantasy VI é o título da série com maior número de personagens jogáveis. Mesmo que a Terra seja a principal estrela, é o título da franquia que melhor equilibra a importância de seus personagens principais. Fora que o jogo conta com meu vilão favorito dos videogames. Durante a trama, diferentes personagens protagonizam momentos inesquecíveis.

Final Fantasy VI é uma obra cuja a poesia atravessa o meio material que foi feito. A riqueza de sua experiência vai além das limitações de um jogo de 1994, do Super Nintendo.

Ele entrega seu conteúdo simplificado na sua forma, mas consegue constrói tantos eventos memoráveis e desperta emoções genuínas. Isso é algo que nem todo jogo, mesmo com a melhor das intenções, e contando com mais recursos com o passar do tempo, não conseguem serem bem sucedidos.

Na minha vida, videogame existe antes e depois de Final Fantasy VI. Tudo já foi muito cativante logo a primeira vista, mesmo só jogando posteriormente. Engraçado é que, na época, também fui apresentado ao Final Fantasy VII, só que o VI era o que é realmente me intrigava. Ele fazia meus olhos brilharem e imaginar as possibilidades que um jogo poderia me oferecer, de coisas significativas, mesmo que na aquela época nem conseguisse refletir ou pensar tanto sobre isso, só havia mesmo o desejo.

Final Fantasy VI demonstra que não é a tecnologia que cria conexões com os jogadores, mas é a forma que as linguagens dos jogos se organizam para construir essa poesia que nos toca até hoje.

9. Silent Hill (1999)

Silent Hill é a experiência mais perturbadora que tive com videogames. É um jogo que me causa uma mistura de sensações: desconforto e curiosidade, algo que continuamente se renova enquanto o tempo passa.

Silent Hill, a partir de limitações, conseguiu entregar originalidade na sua época. Como não falar de utilizar a névoa para disfarçar o carregamento demorado dos cenários. O personagem controlado tem limitações de movimento, mas isso é essencial para deixar clara a vulnerabilidade de uma pessoa normal lidando com um terror sobrenatural.

Fora as questões técnicas, o jogo constrói sua mitologia toda amarrada, o sentido por trás de diversos aspectos. Normalmente quando jogamos, nosso boneco passa de um cenário para outro e fica por isso mesmo. Aqui, os monstros incompreensíveis têm seus significados intrínsecos a trama, tal como a relação entre os personagens, os locais e até elementos dos mais aleatórios que são vistos nos quebra-cabeças.

O apreço que tenho pelo primeiro Silent Hill se renova como falei. Algumas nuances na sua produção, as obras que os desenvolvedores se inspiraram, quanto pontos de vistas sobre o enredo e a mitologia, tudo isso vem oferecendo camadas que enriquecem continuamente esse jogo.

Silent Hill me fez apreciar o cuidado que determinados jogos tem em amarrar seus elementos: a parte narrativa entranhada no que fazemos com o personagem que controlamos, quanto no espaço em que nos movimentamos.

Uma obra perturbadora tende afastar nossa vontade de jogar, mas, por trás disso, tá a satisfatória sensação de conseguir subverter as ameaças tão aterrorizantes a partir das nossas atitudes lúdicas.

A nossa jornada por essa cidade nos entrega uma mensagem interessante sobre religiosidade, e como ela pode ser deturpada a partir de crenças questionáveis. Desde o primeiro título, a série Silent Hill apresenta essa cidade como um terreno mágico cujo os personagens confrontam suas sombras internas.

Quando nós, enquanto jogadores, vencermos o medo, transformamos a individualidades desses sujeitos. O processo é doloroso, mas é enfrentando essa escuridão que Silent Hill entrega suas mensagens.

8. Super Metroid (1994)

Super Metroid é um jogo que vai fazer 30 anos logo mais, porém, a sensação que ele entrega nunca foi tão atual: de estar desolado em um planeta hostil. A forma que o jogo constrói a atmosfera é algo que merece elogios até hoje.

A terceira aventura da Samus consolidou muitos dos elementos que definiria o estilo de jogo chamado de metroidvania. Essa aventura não linear em 2D, onde adquirir habilidades é o que permite explorar cada vez mais o ambiente.

Super Metroid utiliza uma estrutura de progressão que prende o jogador em alguns momentos, para que ele aprenda alguns fundamentos e depois o solta. Ele segue essa constância até o ponto de soltar de vez.

Toda aquela atmosfera intimidadora em um momento chave se transforma. Concluído um ciclo da progressão, celebramos ao saber que podemos utilizar as mais diversas habilidades para desvendar cada cantinho desse planeta, desta vez, sem aquele medo igual ao do início.

Existem algumas mecânicas que o jogador pode aprender a qualquer momento, fora alguns truques de combinação das habilidades da Samus, elementos fundamentais para zerar em menos tempo.

Apesar de aspectos de sua gameplay terem evoluído com os jogos futuros da série, Super Metroid continua bastante válido justamente por essa atmosfera e a forma de se relacionar com o ambiente, por meio dos poderes que vão sendo adquiridos.

Super Metroid ressoa tão forte comigo, que só de lembrar de tela de jogo, do pixel art, das cores utilizadas nos ambientes, internaliza em mim todos esses sentimentos que ele causa, remetendo a primeira vez que tive contato.

Isso evidencia o trabalho de cuidado de seus elementos. Essa aventura fica no coração dos jogadores além de um simples fator nostálgico.

Super Metroid foi quem me introduziu ao meu tipo de jogo favorito, e no meio de tantos metroidvanias, considero que ele entrega uma experiência tão única de exploração, ao ponto de ser indispensável para quem gosta desse tipo de jogo e ainda não teve a oportunidade de jogá-lo.

7. Soma (2015)

Soma foi um dos últimos jogos a entrar nessa lista. Joguei bem depois de seu lançamento e foi muito impactante para mim. É uma experiência que aterroriza, no mínimo, em três camadas diferentes: o medo do inimigo te pegar, o clima de tensão causado pela atmosfera e, o mais especial, a crise existencial.

No que eu já consumi de mídias diversas, acredito que Soma seja a obra que melhor consegue entregar uma experiência que questiona: o que é estar vivo? O que significa estar consciente? O que seria estar morto?

Soma faz isso com um pragmatismo assustador, ele entrega suas mensagens de forma seca, e é nesse sentido que a crise existencial se torna o fator de destaque.

O personagem controlado é o sobrevivente de um acidente que causou sequelas em seu cérebro. Ele decide recorrer a um procedimento experimental, acaba desmaiando e acorda quase que 100 anos no futuro. Nesse futuro, a superfície da Terra foi totalmente devastada e o que restou de vida está numa instalação subaquática, na qual o jogo se passa.

O personagem está com sua mente em outro corpo, e se vê forçado a ajudar uma pesquisadora, que tem o plano de colocar as consciências das pessoas que trabalham nesse lugar em uma arca, enviando-a para o espaço, para conseguirem se salvarem.

Nessa premissa, já dá para avaliar que Soma é uma tragédia sem igual. A grande vitória a se perseguir é garantir essa única ponta de esperança para a raça humana.

Soma tem alguns defeitos, como na maneira de lidar com inimigos, porém, felizmente, o jogo é flexível na hora de punir as falhas. A atmosfera causa uma tensão de se estar enclausurado no fundo do oceano. Há tanto os perigos subaquáticos quanto o sentimento vazio, de estar em uma escuridão no meio do nada.

Soma é um jogo bastante discutido pela internet, e não é a toa, ele consegue transformar alguns momentos simples de gameplay em reflexões bem profundas. É certo que ao entrar nessa experiência, nós não saímos do mesmo jeito que entramos.

6. Valkyrie Profile 2: Silmeria (2006)

Valkyrie Profile 2 é um RPG japonês de uma franquia de poucos jogos. Ele simplifica aspectos do antecessor, a progressão aqui é direcionada aos personagens principais, deixando os secundários de lado. Apesar de algumas críticas a isso, é uma proposta que, ao meu ver, ajudou a potencializar seus maiores méritos.

Diferente do primeiro, não há aquela urgência de fazer as coisas antes do Ragnarok, havia uma incerteza sobre como determinadas escolhas iriam impactar nos diferentes desfechos. Nesse segundo jogo, existe uma fluidez mais agradável na hora de usufruir tanto os sistemas de gameplay quanto a parte narrativa.

Valkyrie Profile tem uma exploração de cenários em 2D, contando com mecânicas que permitem uma dinâmica diferente para um RPG japonês. Nesse segundo, a batalha é em um cenário em 3D, e com grupo de, no máximo quatro personagens, o jogador precisa traçar as melhores estratégias para abordar os inimigos e conseguir os melhores combos.

A harmonia do momento tático e a execução dos ataques é uma das maiores satisfações de jogá-lo. Há alguns elementos pontuais que pouco vejo serem repetidos em outros RPGs: os inimigos terem partes quebráveis, a forma que o jogo incentiva usar diferentes equipamentos, algo relacionado ao aprendizado de novas habilidades.

Valkyrie Profile 2 é uma jornada cheia de eventos memoráveis. A Alicia é uma protagonista incrível. Os traços de sua personalidade, que comumente são associados a fraqueza, ela vai utilizando a favor em momentos chaves de sua evolução.

A gente tende a idealizar um “eu” melhor na hora de lidar com situações da vida. Mas muito de momentos felizes, sem perceber, vivenciamos usufruindo daquilo que categorizamos como defeitos.

O papel que a Alicia desempenha é fundamental para que o impacto causado por Valkyrie Profile 2. É um jogo que do início ao fim, da mistura de valores técnicos e artísticos, entrega um RPG japonês com elementos que, infelizmente, foram pouco utilizados no futuro. Por isso mesmo, sempre faço questão de enaltecê-lo.

5. Nier Automata (2017)

Nier Automata inicialmente apresenta uma guerra entre androides e robôs, e o diretor Yoko Taro tende, a partir da narrativa, apresentar novas perspectivas para fazer o jogador se questionar das suas atitudes apertando os botões massacrando os inimigos.

O Automata por contar, especialmente, com o auxílio da Platinum Games (que desenvolve com excelência jogos de hack n’ slash) fez com que esse jogo, diferente dos anteriores do diretor, fosse mais palatável a um público maior.

Com esse combate mais agradável, soma-se a criatividade de inserir componentes de gêneros diferentes ao longo da experiência. Isso, inclusive, em uma forma de contornar as limitações de orçamento que o jogo teve. Nier Automata é uma celebração da criatividade, fora que o Taro soube amarrar melhor o conteúdo do jogo, algo que nos anteriores dependia ainda mais da boa vontade dos jogadores.

Aqui nos deparamos com cenários compostos de prédios quadradões sem vida, paredes invisíveis antiquadas, e, para compensar isso, inseriram uma das melhores trilhas sonoras da história dos videogames, para tornar esse ambiente memorável. Aqui é um exemplo, sem igual, como a parte artística bem-feita suprime qualquer defeito aparente.

O maior mérito de Nier Automata é nos colocar em uma zona de conforto, um jogo agradável de se jogar, cheio de elementos clichês, para depois ir desconstruindo tudo isso, e, no fim, emergindo o que ele realmente se propõe.

Uma mensagem que vai além da ficção, é uma comunicação além da tela, nos pegando de desprevenidos. É por isso que os jogos do Yoko Taro marcam tanto quem os jogou, apesar de recheados de defeitos e escolhas de mal gosto.

Automata foi primeiro que joguei dele. Mesmo nas suas imperfeições, nas horas que pensei até em desistir, fui recompensado mais adiante com momentos que nunca vou esquecer, algo que só o videogame, enquanto mídia, pode oferecer.

Nier Automata transmite suas mensagens de forma jogável, sobre a complexidade de existir como um ser humano, em enxergar nossas contradições como espécie. Mais do que isso, ele mostra, através de seres aparentemente sem vida, a esperança de valorizar o significado por trás de pequenas coisas.

4. Castlevania: Symphony Of The Night (1997)

Castlevania Symphony Of The Night foi um jogo que revolucionou a série, trouxe uma progressão dinâmica e aberta, sendo que os antecessores até então eram lineares, divididos por fases.

Ele encaixou o “vania” no “metroid”, consolidando de vez o que seria o metroidvania. Nos modelos de jogos com o planejamento do diretor Koji Igarashi, existe uma loucura na inserção massiva de conteúdo. Os jogadores podem até ver muitos deles como desnecessários.

Temos uma variedade de equipamentos, itens consumíveis, magias, transformações, familiares. Todo esse excesso é o que ajuda a dinamizar a experiência, além do level design dos cenários. Nesse tipo de metroidvania do Igarashi, é essa bagunça de conteúdo que determina a diferença do tipo de jornada de acordo com o modo de jogar de cada um.

Symphony Of The Night, por um tempo, foi meu jogo favorito da vida, por demonstrar de forma bem clara o que me faz apreciar videogames. Ele me fez gostar de jogos que contêm vários inimigos catalogados, áreas de visuais únicos com músicas diferentes entre si. Apesar do jogo ser desbalanceado em dificuldade, de você eventualmente ficar bem mais forte que os desafios, aqui é a curiosidade é que permite a descoberta dos segredos, que o maior deles, na época explodiu cabeças.

Esse Castlevania foi posto em sua época como um projeto secundário pela Konami. Até por isso, os desenvolvedores se sentiram mais livres para experimentar.

Em contrapartida, devido ao orçamento menor, reciclaram diversos elementos da série. Nesse caso, a criatividade foi fundamental para que o agrupamento dessa bagunça soasse algo diferente dos demais, que essa nova aventura no castelo do Drácula colocasse a série em um novo patamar.

Symphony Of The Night foi tímido em seu lançamento, o fato de não ser em 3D o deixou invisível nos holofotes. Mas, ao longo do tempo, conquistou o gosto dos jogadores, provando que, não é somente de tecnologia que um videogame tem seu valor. Não é apenas um único fator que faz de um jogo ser considerado um clássico, aqui, a mais bagunçada mistura de elementos foi capaz nos cativar para sempre.

3. Elden Ring (2022)

Elden Ring é o amálgama que a From Software fez de bom desde o Demon’s Souls, o produto mais ousado e também o mais consistente. Esses jogos sempre me fascinaram por proporcionarem essa sensação de aventura e exploração dentro de um mundo vivo. Ela é favorecida pela falta de um guia com indicações óbvias, na intenção de que o jogador de fato sinta a materialidade das coisas que está interagindo.

Aqui exploramos as Terras Intermédias, um mundo aberto que amplia ainda mais essa sensação de liberdade que esses jogos costumam oferecer. Elden Ring é uma aventura criada a todo momento pelo jogador, há uma história em cada caverna, em cada vez que o jogador decide derrotar soldados em acampamentos inimigos em busca de itens. Cada local interessante visto no horizonte serve de pretexto para o jogador seguir seu próximo rumo.

Videogame em resumo consiste em vários deslocamentos de um ponto A para um ponto B. A fantasia é criada pelos desenvolvedores para nos iludir, para que a gente realmente sinta a tal da imersão, a partir disso criando um sentido diante daquele espaço e das mecânicas executadas.

É muito divertido ouvir as conversas, em especial na época do lançamento. Interessante ver como cada um chega num lugar e de formas completamente diferentes, de como se conhece um determinado aspecto do jogo: um NPC, um chefe, um conceito de gameplay e tal. Quando me deparo com esses relatos dá para notar que são carregados de sentimentos diversos, do prazer da descoberta, o medo de parar num lugar desconhecido, a tensão de se deparar com um inimigo muito forte.

Aventuras são repletas de camadas e Elden Ring sintetiza isso, existe todo um percurso emocional. A cada cantinho é uma nova informação e precisamos rever uma estratégia, uma tomada de decisão, então cria-se de fato um vínculo com aquele mundo.

Elden Ring é a reunião de todo aprendizado que a From Software teve desde o Demon’s Souls. É de longe o maior em escopo, de horas totais, e apresenta menos pontos inconsistentes em comparação com os títulos anteriores, isso é algo assustador. Nos outros jogos dava para perceber em certos momentos que orçamento já não era o bastante para entregar um melhor resultado. Enquanto joguei alguns segmentos de Elden Ring, tive a impressão de uma certa redenção da From Software em fazer áreas com determinadas características que em jogos passados não deram tão certo.

O que Elden Ring vai representar para o mundo dos videogames ainda é incerto, essa sensação de novidade está mais no sentimento, do que algo mais racional. Quando você tem algo novo que te faz repensar conceitos do passado, de coisas que você se quer imaginava que poderiam melhorar e te surpreendeu positivamente, é uma forma de dizer que Elden Ring se inseriu muito rápido como uma das melhores experiências que já tive em um videogame.

2. Pathologic 2 (2019)

Pathologic 2 é, como dizem, um simulador de desgraça. O seu personagem é um dos únicos médicos em uma cidade castigada por uma epidemia, causada por uma doença misteriosa e sobrenatural. Ela não tem cura, portanto, seu papel não é salvar o dia, mas, tentar tornar as coisas menos piores do que podem ficar.

Aqui nós temos um jogo com vários sistemas interligados, os quais é necessário uma atenção constante, pois as punições são bem severas, tanto para o seu personagem quanto para a cidade e as relações afetivas com as demais pessoas. Os dias passam e a doença fica pior, quando você acredita estar acostumado aos sistemas, eles são de uma hora para outra virados ao avesso.

O personagem tem barras de sobrevivência para gerenciar: tem a vida, fome, exaustão, sede (que é a de estamina) e a de imunidade. Os recursos são escassos, há uma dependência das pessoas para trocar itens, uma boa parte adquirida revirando lixeiras. Existe um sistema de moralidade que é fundamental manter bom em todos os bairros, pois é uma dor de cabeça inacreditável caso você seja visto como um alguém indesejado.

Os dias passam, as coisas acontecem e tudo que você faz tem uma consequência, não é em escolher a melhor opção de diálogo, mas no próprio deslocamento feito pelas ruas.

Algumas escolhas boas na grande maioria dos jogos que a gente vai meio no automático, podem resultar em algo terrível no futuro, porque nós não prestamos atenção nos mínimos detalhes.

Pathologic 2 tem o mundinho mais impressionante que já vi em um jogo, algo que sempre sonhei em ver em um videogame. Tudo na cidade tem sua importante, tudo mesmo. O NPC mais genérico pode ter um item que salva a vida do seu personagem, o prédio mais aleatório pode ser o palco de um momento tenso, de tirar o fôlego.

Pathologic 2 respeita o terreno do jogo, respeita a nossa performance enquanto jogadores. Por mais punitivo que seja, essas contradições resultam em uma experiência inesquecível. Ele marca a minha mudança de visão de jogos nos últimos anos, de apreciar quando um videogame junta suas qualidades como produto digital e a sua natureza mais primitiva enquanto atividade lúdica, a qual sempre nos acompanhou enquanto seres humanos.

Menções honrosas

  • Celeste
  • Dark Souls
  • Immortality
  • Metroid Prime
  • Sekiro: Shadows Die Twice
  • SoulCalibur III
  • Spiritfarer
  • System Shock 2
  • The Witcher III: Wild Hunt
  • The Witness

1. Hollow Knight (2017)

Hollow Knight é o jogo da minha vida, ele sintetiza o meu gosto por videogames, tanto nos aspectos formais quanto nos subjetivos. Mais uma vez é a celebração da criatividade. Ele é um produto de excelência, bom demais para ser verdade, desproporcional a quantidade de pessoas que o fez e o orçamento que teve.

Como metroidvania, Hollow Knight junta o que de melhor Super Metroid e Symphony Of The Night consolidaram, ele conta como um level design orgânico e vivo. Tal como citei em Dark Souls, o jogador precisa estar atento aos espaços, tanto em lidar com o perigo quanto em observar a história sendo contada.

O jeito que o mapa funciona auxilia esse aspecto, ele só atualiza quando sentamos nos banquinhos, fazendo com que o jogador não fique a todo momento abrindo uma outra ela e verificando os espaços que vão sendo preenchidos. Aqui você é estimulado a focar no ambiente explorado.

A interconexão das áreas permite com que cada jogador percorra um caminho particular, sem uma ordem rígida de adquirir habilidades e enfrentar chefes. Para fazer isso de forma sucedida, as áreas possuem um balanceamento, onde cada uma apresenta um tipo de desafio diferente, que dependendo do jogador, pode achar mais fácil ou mais complicado.

Essa não linearidade varia a dificuldade dos segmentos, pois, um jogador pode chegar num determinado chefe perto do final do jogo, com uma série de habilidades, facilitando a luta, e outro jogador pode encontrar essa batalha logo no início, sendo bem difícil.

Essa liberdade de progressão depende, em certo ponto, do jogador está disposto a se perder.

Mas para aliviar a frustração, o estúdio constrói o level design de maneira que, por mais que o jogador siga até o fim um caminho “errado”, ele vai encontrar algo interessante. Para que essa recompensa seja de fato eficaz, os seus pequenos elementos se comportam como engrenagens fundamentais nesse sistema mais amplo.

A vida é dividida em pontos, representando o número de falhas permitidas. Portanto, se a possibilidade de cura depende do quanto você bate no inimigo, a recompensa está no jogo oferecer mais chances de errar. Esse jeito de funcionar a vida faz com que, por exemplo, as seções com espinhos sejam bem menos frustrantes comparados a outros jogos. Você pulou errado, reseta a posição anterior, perdendo apenas um ponto de vida, e repete o trecho. Não há aquelas situações de ficar levando dano para sempre.

Nesse aspecto, tanto em uma visão geral, quanto em elementos tão pequenos como insetos, Hollow Knight é brilhante na manutenção dessa estrutura complexa.

Sempre curti histórias que se passam em mundos em miniatura, de como espaços banais do nosso cotidiano são ressignificados. Esse meu apreço vem muito de quando brincava com bonecos, a minha casa era um mundo e cada móvel, eletrodoméstico, era imaginado como diferentes tipos de ambiente.

A história dos carismáticos insetos pode ser vaga, no entanto, por mais que ela tenha sido elaborada depois dos aspectos formais, possui uma abertura para interpretações diversas. Hollow Knight é um jogo a primeira vista simples. Porém ele é tão elaborado, que a sensação de preenchimento vem naturalmente, de que utilizamos bem as horas jogadas e que elas não serão esquecidas.

Quando joguei pela primeira vez veio a ideia de que “não é o gráfico mais perfeito, ou o mundo mais massivo, que obrigatoriamente tende a levar um jogo a perfeição”. Era algo que tava em algum canto da minha mente, mas foi Hollow Knight que colocou para fora, de uma forma concreta.

Esse jogo é um meio para expressar a qualquer pessoa o que me faz amar videogames: o momento criativo em que posso usufruir o melhor da minha racionalidade e sensibilidade. Um instante de juntar as estratégias que executamos pelas mecânicas às nossas emoções, intenções, fantasias, do que queremos expressar, até daquilo que a gente nem sabe. Mas estamos vivendo, e com intensidade.

Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.

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Erick Lúdico

Designer | Mestre em Comunicação | Penso, falo, pesquiso, escrevo e etc sobre videojogos 🎮