Ori e os AAA mascarados de indies

Will of the Wisps ajustou e aprimorou algumas características de seu antecessor. É um jogo ambicioso em conteúdo, mas isso se reflete em brilhantismo na sua estrutura de jogo?

Erick Lúdico
11 min readJun 9, 2020

Ori and the Blind Forest possui um seção introdutória com um brilhante gancho, há um envolvimento emocional construído pela combinação do belíssimo visual e trilha sonora. Ori and the Will Of Wisps foi anunciado na E3 de 2017, em poucos minutos já demonstrou o quão sua arte é cativante, rapidamente um elo foi estabelecido com a melancolia presente naquela apresentação.

O apelo emocional por meio de sua arte é que o faz Ori and the Blind Forest ser querido até hoje. Mas quando olhado o todo, seu aspecto como jogo, esse casamento das sensações com o que é desempenhado pelo jogador, é onde temos o ponto menos mágico dessa narrativa.

Para a sequência, a Moon Studios continuou com o suporte da Microsoft, e um tempo de produção que não costuma ser generoso com os desenvolvedores em situação similar. Will of the Wisps foi lançado em março de 2020, num contexto em que o subgênero metroidvania está mais concorrido que quando seu antecessor foi lançado há 5 anos. Os desenvolvedores afirmaram que o jogo “é uma tentativa de aperfeiçoar os metroidvanias, que o salto do Will of the Wisps comparado ao antecessor é comparável do Super Mario Bros 3 para o 1.

Competência o estúdio já mostrou e possui o financiamento maior que títulos independentes. Como a nova aventura de Ori continua emocionando os jogadores, enquanto concilia melhor suas qualidades como experiência de jogo? Na primeira parte do texto faço uma descrição geral do jogo, na segunda exponho a contradição dos seus discurso de “aperfeiçoamento de um gênero”.

Ori como um produto atualizado

O começo de Will of the Wisps envolve a corujinha chamada Kun aprendendo a voar, no momento, ela e Ori partem voando até se perderem em uma região desconhecida, separando-se. Tem-se início a gameplay, com um clima caótico por conta de uma tempestade e o seu personagem está indefeso. Conforme o tempo as coisas vão se clareando e Ori junta as principais habilidades do jogo anterior em busca de sua amiga coruja.

O botão fixo dos controles do jogo é o A, utilizado para pular. O restante (X, Y e B) podem ser escolhidos conforme a preferência do jogador. Logo no início você adquire uma espada de luz, o tipo de ataque padrão de jogos 2D. Em certo momento, você adquire arco e flecha com ataque a longas as distâncias. Por mais que o jogador defina um esquema padrão na sua gameplay, em diversas situações, sobretudo para acessar locais, o jogador é forçado a variá-la.

Em Ori in the Blind Forest, o jogador tinha um combate específico de esmagar um botão e desviar de inimigos. Havia uma árvore de habilidades com três ramificações diferentes de benefícios na gameplay. No caso de Will of the Wisps, o jogo oferece essas peças para brincar com os ambientes, sobretudo perto do fim.

Há benefícios acoplados ao jogador, semelhante ao sistema de amuletos em Hollow Knight. Você tem espaço para três encaixes para customizar seu próprio Ori, dentre as habilidades, pode-se contar com pulo triplo, extrair orbes de vida dos inimigos, receber mais dano em compensação com um ataque mais forte e por aí vai. Além de orbes verdes que compõem a vida de Ori, existem os azuis que são espécie de mana para habilidades mais poderosas.

Sistema de fragmentos espirituais que são similares aos amuletos de Hollow Knight.

Para cumprir missões secundárias, há itens chaves para entregar aos NPCs. Uma pequena vila é acessada no início pelo jogador, podendo melhorá-la ao longo da jogatina. Minérios são entregues a um NPC que reforma locais destruídos, retira espinhos, abre acessos. Sementes são entregues a outro NPCs que as semeia para que novas vegetações cresçam e auxiliem a movimentação. Por exemplo, todo musgo azul o Ori pode se pendurar e escalar.

Falou-se que Will of the Wisps é um jogo influenciado por Zelda, mas sabendo que a sua presença em tantos jogos é tão inerente, o que significaria essa fala? Uma forma bem específica de aplicação nesse jogo, é que em certo ponto você tem três opções de áreas assim que você adquire a pena da coruja. Com esse item, você pode planar pelo ar ou usar para espanar, empurrando alguns objetos leves.

Essas três áreas se assemelham a dungeons de Zelda, você é apresentado a um tipo diferente de desafio. Por exemplo, uma dessas áreas é sobreviver ao escuro que pode matá-lo em segundos, então é necessário buscar pontos luminosos. Na metade dessas áreas você encontra uma nova habilidade para lidar com essas dificuldades, no caso dessa área, é um círculo luminoso que também causa dano a inimigos, com ela você vai prosseguindo até enfrentar um chefe.

Gameplay da área Profundezas do Bosque Bolorento

Citei essa área em específico pois é a única que a habilidade se torna quase irrelevante no restante do jogo, tratando-se de exploração. Existe um equilíbrio em habilidades que podem ser úteis em exploração quanto em combate, o arco e flecha por exemplo, quando apresentada, é muito útil na hora de desbloquear caminhos, mas depois, considerada apenas em combate, isso se o jogador não preferir uma outra habilidade.

As batalhas dos chefes são diferentes entre si, apresentam novas dinâmicas conforme você proguide em reduzir sua vida. Há uma alteração não só no comportamento, mas também no ambiente da luta que pode mudar completamente, exigindo as habilidades espaciais.

Há também as seções de perseguição, elas se assemelham mais ao final de Blind Forest que consiste em uma criatura gigante perseguindo o pequenino Ori, com novamente, o espaço se alterando das formas mais incríveis, causando ainda mais tensão no jogador. Nesse ponto o polimento do jogo trabalha bem no sentido de ser programado para que o jogador tenha certeza que escapou por um fio.

Tudo é muito detalhado, não apenas para parecer belo. Uma das primeiras coisas que percebi é o peso do Ori sobre algumas superfícies, espacialmente galhos que balançam conforme você anda. O detalhamento também se estende no combate, um projetil em específico causo um efeito de impacto que oferece um feedback que por mais que não cause o dano esperado, existe uma satisfação quando atinge o inimigo.

Mesmo jogando no PC, onde vários jogadores reclamaram de bugs, inclusive, passei por situações que precisei reiniciar duas vezes do início, a partir desse ponto tendo que sempre copiar o mesmo save 2 vezes. As situações por conta da perfomance em nada me faz desconsiderar todas as suas qualidades, todo o empenho em melhorar a experiência do Blind Forest.

No entanto, avaliar a experiência de um jogo não é apenas constatar um produto melhor que de 5 anos atrás, mas, o que significa essa melhora? E mais importante, considerar, o que a Moon Studios entregou em relação as intenções do estúdio, como a citada no começo?

Ori como um jogo no meio de outros tantos

Metroidvania é fundamentalmente sobre exploração, dá para separar Will of the Wisps em duas partes: antes e depois de adquirir a pena. A partir desse recurso, você acessa as três áreas que falei, as quais encaminham para o final do jogo. Esses trajetos são bem especificados, até pelo fato dos objetos serem bem explícitos para o jogador, em especial no mapa.

Então, depois de explanado o básico, a partir daqui vou abordar o ponto contraditório de Will of the Wisps comparado as intenções da Moon Studios, e também a experiências recentes com outros jogos.

Quando eventualmente falo sobre Hollow Knight é uma referência para os metroidvanias, deixei evidente que o gênero hoje em dia é muito maleável. Quero dizer que não tem um “metroidvania ideal” para se alcançar, pois suas características podem estar arranjadas e com propósitos diferentes em cada lançamento. Metroidvania é gênero, ou subgênero, ou pode ser um jogo de ação e ter “elementos de metroidvania” como no caso de Dead Cells.

A exploração é o que norteia a experiência desse gênero, mas no fim, metroidvania é jogo 2D com um mapa interligado onde caminhos são desbloqueáveis por habilidades. Essa é a definição mais básica. Então assim, tem-se um Hollow Knight que é primor da exploração, você realmente fica perdido, e essa é a intenção principal: desvendar as ruínas de um reino para saber o objetivo do seu besourinho.

Um outro braço é o Igavania, como o Bloodstained, onde o excesso de recursos é mais eficiente para diferenciar as experiências dos jogadores do que o level design. Tem o Guacamelee com seções fechadas de combate, tem o Chasm com seu mapa procedural, e por aí vai.

Metroidvania se tornou mais abrangente. A exploração espacial pode ser rearranjada das mais diversas formas a partir da premissa de: tem que haver uma interligação, você desbloqueia a partir de recursos que alterem sua gameplay, e não uma chave que destranca uma porta e já é inútil. Então, o que significa dizer que seu jogo quer “aperfeiçoar os metroidvanias”? É nos mostrar um jogo que vai apresentar um novo pacote de conceitos, criar o sub-sub-gênero “Orivania”? Ou nos mostrar uma melhora num tipo de experiência em específico?

Se eu pudesse resumir minhas horas de Will of the Wisps em um momento, diria um pensamento que tive quando cheguei no trecho da imagem abaixo:

“Que jogo bonito para o caramba… Mas, pera lá, eu só vim aqui pegar um punhado de orbes amarelos? Um segmento com espinhos e inimigos foi trabalhado por pessoas talentosas para eu pegar um punhado de orbes amarelos? Enquanto consegui pegar upgrades de vida e mana em outros momentos sem nenhum esforço”

Trecho em questão.

Agora vou dar exemplos de experiências recentes, antes de Will of the Wisps. Um deles é um AAA: Dragon Age Inquisition. Fiquei muito surpreso por estar bastante engajado no jogo. O mundo é dividido por regiões, onde você escolhe para onde ir e é teletransportado para elas, algumas são bem grandes, abertas e outras mais de lineares ou contidas como cidades e castelos. O que acontece é que, pelo meu perfil de jogador, costumo limpar o máximo possível de coisas nessas regiões, objetivos secundários e coisinhas no mapa para ir e ver o que é.

Mas em certo momento, tinha uma coisa que me deixava muito pensativo, pois no meio da exploração de áreas abertas, você encontra umas estátuas gigantes muito legais. No entanto, chegava nesses locais e era só um indicador para pegar um item dentre 10 para cumprir um subquest e ganhar um punhado de XP.

Tinha um textinho que talvez explicasse a origem da estátua? Tinha talvez um lugar no códice que tenha essa finalidade de contextualizar? Devia ter sim, mas será que é algo tão importante para maioria dos jogadores redobrarem seus engajamentos, sendo que existe todo um departamento de “environmental storytelling” que constrói um level design ligado com a narrativa sem precisar de um caminhão de texto e quebrar o fluxo de jogo.

Obviamente, considera-se que uma fatia de jogadores gostam de ler esses textos. Mas o que eu quero passar é que, uma coisa é você não possuir recursos e ter de usar uma artwork com uma narração de fundo, e outra é uma filosofia de inflar o tempo para o jogador permanecer cumprindo tarefinhas que no fim das contas está esvaziada de sentido.

Essa estátua bonita do Dragon Age, esculpida pelos profissionais da Bioware é uma desculpa para ler um trecho de um texto? Sendo que quando a gente compara com outros jogos, tá muito claro uma preocupação inicial em forma e depois se virar em inserir o conteúdo, é bom lembrar que o Inquisition teve um desenvolvimento conturbado.

Vamos agora para um exemplo de indie. O grande mérito de Guacamelee 2 foi aperfeiçoar conceitos do primeiro, amarrá-los de um jeito que a experiência do jogador se tornasse mais dinâmica. No caso, me senti muito mais incentivado a usar todos os golpes disponíveis, esforçar para desempenhar uma performance melhor e não apenas apertar botão de forma desinteressada.

Guacamelee 2 me pareceu muito concentrado em aprimorar as qualidades do jogo anterior, para aí sim buscar incrementar uma ou outra inspiração de outros jogos que vieram depois de 2013. Guacamelee 2 pareceu já ter aparado suas arestas por todo aprendizado mediante o seu antecessor, resultando em um jogo muito mais focado.

O foco no combate de Guacamelee permite espaço para multiplayer.

O Ori tem uma mentalidade de uma grande empresa por trás, que no caso é a Microsoft. Já explicitei esse tipo de mentalidade um pouco, quando falei do Song Of The Deep, jogo com cara de indie, mas feito por um estúdio que entregou dois anos depois o Spider Man do Playstation 4. Will of the Wisps tem uma série de vícios de AAA, que o torna um jogo cheio de excessos. Então, o significado de “aprimorar o metroidvania” foi uma forma de apresentar ao mundo o mais inchado que ele poderia ser?

Ori and the Will of the Wisps está longe de ser um jogo ruim, ele é uma sequência com mais coisas, do ponto de chegar para qualquer pessoa e dizer:

“Olha, se quiser, joga logo ele, nem precisa do Blind Forest, só se você não tiver como pagar ou rodá-lo no seu PC”

E sabe o que é complicado? Éque no Blind Forest, ainda tive o momento de pegar a habilidade do “bash” e ocasionar um nó no cérebro de tão genial que era. Um poder de se projetar a partir dos objetos que alimentava minha expectativa a partir de então, pensando o quanto isso reconfigura toda a exploração. Tentava imaginar o trabalho que os desenvolvedores tiveram com mapa como um todo a fim de comportar essa habilidade, o “bash” era uma mecânica que nunca tinha visto em nenhum outro metroidvania, se pá nenhum outro jogo em 2D.

O nosso gosto tem muito a ver com expectativa diante do nosso referencial, naturalmente vamos compará-lo com os que nós consideramos os mais primorosos, que fazer de melhor forma as coisas que nós gostamos. Os Oris, como franquia mesmo, são metroidvanias muito competentes como gosto de falar, acho, inclusive, que é a melhor porta de entrada para o gênero, porque ele é mais simples de jogar.

O mapa é bem guiado, a movimentação é bem fluída sem a divisão entre salas, o que faz com que você tenha uma grandeza de mundo, mas que as distâncias sejam bem menores do que parece. Tem o visual e trilha muito cativantes, o mundinho dele tem seu carisma, os ganchos iniciais de ambos os jogos já te fazem simpatizar de cara com a causa maior do objetivo principal.

A ambição para algo grandioso é uma faca de dois gumes, ainda mais quando se alimenta as expectativa das pessoas. Para quem é fã de metroidvanias, nós temos uma oportunidade nunca antes vista que é de ter sequências de jogos muito bons do gênero. Tivemos o Guacamelee 2 lá em 2018, agora mais próximos um do outro (espero) o Ori and the Will of the Wisps, Hollow Knight Silksong e o Axiom Verge 2. Serão momentos muito interessantes de observar e admirar a evolução criativa desses conceitos que conhecemos anos atrás.

Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.

--

--

Erick Lúdico

Designer | Mestre em Comunicação | Penso, falo, pesquiso, escrevo e etc sobre videojogos 🎮