O que um podcast de jogos me ensinou?

Texto bastante pessoal. Compartilho uma parte da minha história como criador de conteúdo, que na verdade é o relato de uma mente inconstante tentando encontrar um lugar para transbordar.

Erick Lúdico
8 min readJan 31, 2024

No dia 26 de janeiro de 2024 lancei o centésimo episódio do Level Secreto, o podcast que falava sobre jogos diversos, na média de 10 minutos por programa. O projeto durou por quase quatro anos e foi um grande aprendizado pessoal. Ao mesmo tempo, o podcast representou um caminho de desapego aos videogames.

Enxergo o Level Secreto como um álbum de fotos em formato de áudio, um registro das minhas opiniões e vivências em jogos nos meus 30 anos.

Arquivo aberto da edição do episódio 100

Uma nova chance a um produtor de conteúdo frustrado

Sempre fui uma pessoa muito perfeccionista, não aquele clichê de usar tal característica como qualidade em uma entrevista de emprego. A maneira que me cobrava era algo que me atrapalhava ao longo da vida, pois, agia desse modo em coisas que deveriam ser mais “leves”.

Em um período bem difícil, apaguei um canal que possuía no Youtube. Ele possuía 6 mil inscritos, diversos vídeos bem robustos em 4 anos de existência. Naquele mesmo ano, em 2017, havia acabado de lançar uma espécie de documentário sobre os 20 anos de Castlevania Symphony Of Night, um conteúdo que chamou a atenção de youtubers grandes, inclusive.

Diante um período de incertezas e baixa autoestima, tive uma crise e simplesmente exclui o todo o conteúdo, tentando me livrar de uma série de sentimentos que havia e se atrelavam a existência daquele canal.

Em seguida, felizmente, havia encontrado um rumo na vida, comecei a fazer um mestrado, com o tema voltado a videogames. Em meio aos trancos e barrancos, e uma forte capacidade de resiliência, consegui concluir essa etapa. Escrevi uma dissertação que considero relevante para o estudo de jogos, e, por isso mesmo, decidi adapta-la a um livro.

Foto maravilhosa tirada pela querida Beatriz Coutinho

Querendo deixar um som no mundo

Nesse período do mestrado, possuía dois objetivos: continuar na vida acadêmica falando sobre jogos ou trabalhar como produtor de conteúdo. As duas coisas poderiam caminhar juntas, afinal, sempre tive um intuito de deixar mais palatável alguns conceitos complexos da academia. Com isso, por volta de 2018, criava o Level Secreto.

O projeto inicialmente consistia em um grupo de amigos produzindo conteúdos sobre jogos em vídeos e nas redes sociais. Mas, devido a algumas dificuldades, ficou no campo das ideias. Só que tudo bem, as preocupações com o mestrado ocupavam mais a minha cabeça na época, então nem tinha como me dedicar da melhor forma e sequer querer exigir algo dos meus amigos.

Passando algum tempo, fiquei com vontade de despejar minhas opiniões sobre jogos diversos, nada muito elaborado. O intuito era trocar ideias como se fosse uma conversa, um formato de conteúdo que surgiu inspirado no podcast da Márcia Effect. Em 2020 criei o “Jogue Antes de Morrer” com a premissa de dar recomendações de jogos variados, tendo como base também aquele famoso livro “1001 jogos para jogar antes de morrer”.

Usei o termo “despejar” não porque ia produzir esse conteúdo de maneira desleixada, mas, porque a intenção era não ficar preso a um ideal de fórmula de podcast.

Devido ao meu perfeccionismo, somando ao projeto anterior que ficou apenas nas ideias, queria simplesmente soltar conteúdos e ao longo do tempo ir ajustando, aprender na prática mesmo. Tentava de algum modo resgatar um sentimento que existia quando comecei a fazer vídeos para o Youtube. O objetivo era apenas de fazer mesmo, compartilhar meus gostos, como um hobbie, desprender de uma cobrança muito grande a algo que era para ser leve.

Com os primeiros cinco episódios prontos e uma falta de vontade de continuar, a pandemia me deu um gás. O objetivo do podcast ganhou um caráter mais pesado: existir na internet um registro das minhas opiniões sobre jogos. É bom lembrar que estávamos numa época em que para morrer, bastava estar vivo. Esse objetivo era reforçado pela lembrança amarga de ter apagado o canal do Youtube. No fim, queria deixar um pedacinho de mim no mundo, dentro do assunto que mais gosto de falar.

Motivo mórbido ou não, isso ajudou a dar sequência na produção dos podcasts. Em 2021, o nome mudou para Level Secreto, procurei alterar pois havia descoberto que já havia o “Jogue Antes de Morrer” no Youtube. A mudança ocorreu pela expansão do podcast para os conteúdos das redes sociais. Com isso, aproveitei o nome Level Secreto, que sempre achei bom, além da identidade visual que já estava pronta. Todo esse rebranding conseguia se alinhar com o seu lema que sempre repeti nas intros.

Podcast com episódios curtos sobre os jogos que considero fundamentais para conhecer um pouco mais sobre videogames, sob todos os aspectos.

A fórmula era seguir os impulsos

O Level Secreto já foi pensado em encerrar em 100 episódios, onde acrescentei alguns extras aproveitando jogos específicos. Da edição 50 em diante contei com um novo microfone, além de estabelecer um formato de entrega de episódios: ficar em um período de hiato, produzindo uma quantidade considerável para ir soltando ao longo de semanas seguidas.

Devido a esse caráter de hobbie, sempre que via uma oportunidade, ou surgia uma ideia diferente, acrescentava algo novo no desenvolvimento de alguns episódios, principalmente no que diz respeito a edição. Claramente é perceptível a diferença entre alguns episódios conservadores e outros mais arrojados, independentemente do tempo de duração.

Minha tier list pessoal dos episódios do Level Secreto

Ao longo dos programas fui testando ideias diferentes. O episódio 4, sobre Firewatch, foi o primeiro que busquei informar sobre o estado do estúdio após o período do jogo abordado. Nisso, acrescentava algo mais jornalístico a alguns roteiros, trazendo notícias que eram relevantes para agregar mais ao conteúdo. No episódio 50, Metroid Prime, abordei sobre o trabalho intenso dos desenvolvedores da Retro Studios na época, isso era algo que fiquei sabendo durante a pesquisa. No mês seguinte, surgiram notícias a respeito de detalhes novos das condições de trabalho na produção desse título consagrado, algo que quase todo mundo desconhecia.

Portanto, esse cenário de hobbie me permitiu experimentar e tatear coisas diferentes, conquistando algumas pequenas façanhas.

Os episódios de Resident Evil 2 contou com mais de um narrador, uma ideia que expandi na edição de Immortality, algo que permitiu com que o jogo pudesse ser abordado com uma certa profundidade. Outro caso curioso é o episódio 39, de F.E.A.R, onde precisei estudar bastante para elaborar o roteiro, pois queria explicar da melhor forma possível, por áudio, a respeito de inteligência artificial dos inimigos em videogames.

Os jogos que iriam ser comentados no Level Secreto já eram definidos muito antes da produção. Quando chego na edição 50, já tinha anotado quais eram os próximos, até o centésimo. Obviamente alguns foram alterados, ocorreu situações de mudar de última hora. O caso de Elden Ring é um episódio produzido na força da empolgação após zerá-lo. Houve jogos que não consistiram em bons roteiros, o conteúdo acabava não fugindo de um senso comum, textos que não encontrei um modo de inserir um caráter pessoal.

Engraçado falar isso, mas há no papel programas secretos dentro do Level Secreto. Havia o interesse em comentar mais sobre jogos indies, alguns bem desconhecidos até. Porém, esses títulos não dariam certo como um episódio do Level Secreto por não garantirem um bom tempo de duração. Além disso, alguns consistem em experiências que se eu comentasse algo a mais, iria revelar todo o atrativo do jogo e deixaria de ser uma indicação.

O que aprendi com um podcast

Os episódios são inconsistentes, como havia confessado anteriormente, realmente havia alguns que me empolgavam mais que outros. Diante disso, o Level Secreto me fez enxergar o que me faz gostar mais de um jogo que de outro: entregar-se de um jeito mais apaixonado na hora de se expressar sobre ele. Pode parecer algo simples, mas se trata de como o sentimento daquela experiência acaba fazendo parte de quem você é. Como que, a partir disso, emerge uma vontade de compartilhar com o mundo, como se fosse espalhar uma cura.

Diante dessa consciência, alguns jogos cresceram muito no meu conceito, o exemplo mais claro é Her Story, que durante o desenvolvimento do roteiro se tornou mais aparente o que me faz achar tal obra tão genial. Não é que a produção dos podcasts definiram minhas opiniões sobre meus jogos favoritos, trata-se mais de uma consciência mais clara do que me faz gostar mais de um em relação a outros.

Ao longo dos quatro anos que o podcast fez parte da minha vida, tinha épocas que ficava mais empolgado com videogames, diante de algumas produções bem-feitas de programas, respostas de alguns ouvintes. As vezes cheguei a pensar em ir além dos 100 episódios, ou até mesmo tratar o Level Secreto como algo eterno.

No entanto, duas coisas pesaram: a falta de uma perspectiva para trabalhar com videogames após o mestrado e a obrigação de ter que jogar algumas coisas para poder produzir conteúdo sobre elas. Depois do período da pandemia, tudo que mais queria era me conectar melhor com as coisas. Jogar videogame estava cada vez mais no piloto automático.

Passou a existir uma sensação de que tudo que essa mídia tinha para me entregar, me entregou e… muito obrigado, valeu por tudo viu?

Na metade de 2022 me tornei professor de faculdade, o primeiro emprego que não se tratava de fazer freela. Era algo que sempre quis ser e todos os meus interesses e preocupações mudaram de uma hora para outra. O Level Secreto se tornou a minha única ligação afetiva com os videogames. A partir de então, o episódio 100 iria marcar o momento em que deixaria de depender dessa mídia para buscar felicidade, aceitação, autoestima, pertencimento, conexões e sonhos.

Esse pensamento não tem a ver apenas com uma mudança de trabalho. Antes disso, cheguei a fazer uma lista, no Excel, de todos os jogos que joguei na vida (sou maluco desse jeito mesmo). O resultado disso para mim foi uma decepção, pois foi menos títulos que imaginava, gastei tanto tempo e foi só isso?

Ao mesmo tempo, tinha uma visão de que minha relação com videogames é diferente de algo consumista, de querer zerar tudo continuamente. De certa forma, ver esse cenário me ajudou a ser mais honesto comigo mesmo. Talvez o meu amor por jogos seja algo além de jogar videogame, é algo que transcende isso. Não sei exatamente o que é, mas tem a ver com conexão interior e com o mundo ao redor.

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Erick Lúdico

Designer | Mestre em Comunicação | Penso, falo, pesquiso, escrevo e etc sobre videojogos 🎮