Há metroidvania antes de Metroid?
No período em que os indies diversificam as experiências no gênero, é importante ver que nas suas raízes, isso não é nenhuma novidade.
Os gêneros nos videogames geralmente surgem quando um jogo chama a atenção do público, que não necessariamente tenham inventado algo. A proeza desses títulos se deve ao trabalho de juntar essas inovações em uma experiência mais bem acabada, que consiga comunicar melhor suas interações com o jogador. Dois exemplos bem simples que posso citar: o sucesso de Doom, que aprimorou Wolfenstein 3D, e Dark Souls, a evolução de seus elementos perante Demon’s Souls.
Poderíamos imaginar um nome menos complicado para metroidvania, mas é um tanto complicado, pois esse gênero foi associado apenas aos jogos de Metroid e Castlevania, dando a impressão que só se tinha essa experiência específica nessas duas franquias.
O ano de 2008 coincide o lançamento de Order Of Ecclesia, o último Castlevania de Koji Igarashi, com a explosão da cena independente que temos hoje em dia, com Braid. Naquela época, em que tanto Metroid quanto Castlevania passariam por um momento de seca, era até impensável que o gênero se tornaria o que é hoje, tão frequente e até mesmo sobrecarregado.
Os metroidvanias que temos hoje certamente são influenciados por essas duas franquias. Nesse sentido, é senso comum ter a informação de que Metroid é o primeiro jogo que construiu uma experiência 2D não linear, onde a progressão era desbloqueada por habilidades. No entanto, assim como falei, é um jogo mais popular que acaba chamando atenção a essas características combinadas, dando a impressão que títulos anteriores apenas experimentaram ideias sem muita qualidade.
Portanto, vou apresentar alguns jogos que demonstraram alguns conceitos, os quais posso classificar como “proto-metroidvania”, por existirem antes de 6 de agosto de 1986, o lançamento do primeiro Metroid. Eles são títulos não muito lembrados, talvez o principal motivo seja devido o quão complicado era seu acesso, comparado a um jogo da Nintendo.
Montezuma’s Revenge (1983)
Plataformas: Apple II, Atari 2600, Atari 5200, Atari 8-bit, ColecoVision, Commodore 64, IBM PC, Master System.
Aventurar-se em ruínas de civilizações antigas é um tema que naturalmente puxa uma jogabilidade voltada a exploração. Montezuma’s Revenge é um título em que o percurso do jogador se divide em diferentes caminhos e não uma jornada linear de um canto para o outro da tela. Apesar dos caminhos serem desbloqueados por itens e não habilidades adicionadas a mecânica base, o layout da distribuição de suas telas realmente forma o desenho de uma pirâmide, casando a estrutura de jogo com sua temática. O principal objetivo de Montezuma’s Revenge, pela sua época, ainda era o acúmulo de pontuação em seus nove níveis.
Há títulos mais antigos que não são lineares, como o Aztec de 1982, com a mesma temática. No entanto, o jogador já contava com os recursos do personagem desde o começo. Montezuma’s Revenge envolve uma dinâmica de desbloqueio de passagens por meio uso de itens encontrados pelo cenário. O layout do labirinto consiste em diversas barreiras: armadilhas, perigos e portas. Os itens são armazenados em um inventário limitado, onde o explorador o preenche com chaves, espadas e amuletos. O jogo não é pioneiro no uso de chaves para destrancar passagens, Pharaoh’s Curse, de 1982, já possuía esse tipo de progressão. Porém, Montezuma’s Revenge exige do jogador um gerenciamento de seus recursos, pois, as portas possuem cores diferentes que abrem com as chaves com as cores equivalentes.
Below the Root (1984)
Plataformas: IBM PC, Commodore 64, Apple II.
Below The Root é baseado no livro de mesmo nome, escrito em 1975. Ele apresenta uma mistura de metroidvania com o gênero adventure. O jogador pode escolher entre cinco personagens para jogar, cada um com suas características de visual e habilidades. O jogo tem desafios de plataforma e apresenta uma habilidade que auxilia na progressão, através de um item que é a “shuba”, uma vestimenta semelhante a um esquilo voador. Ela auxilia o personagem a deslizar no ar, em um movimento na diagonal, além evitar que seja ferido por queda.
Tratando-se de um jogo de adventure, a progressão de Below The Root se dá pelo diálogo com os personagens, quanto a resolução de quebra-cabeças, como de encontrar um item certo para uma solução específica. Ao longo do caminho, o personagem aprende uma variedade de habilidades especiais que incluem telepatia, telecinese e fazer com que galhos de árvores cresçam para se tornarem pontes temporárias. Essas habilidades são termos escritos selecionados na parte inferior da tela, o seu uso não é por uma mecânica atrelada um botão, portanto, a ação dos personagens é desempenhada de uma maneira não convencional para um metroidvania.
Below The Root é um título ousado para sua época. Por ser uma adaptação de uma outra obra que possui um mundo estabelecido, ele tentou transportar conceitos complexos dada a tecnologia disponível. O jogo possui sistema de reputação, onde o jogador é punido se praticar ações violentas. Alimentar-se no jogo mantém a energia saudável, caso o personagem seja de uma facção específica, ele não pode comer carne. Apesar de sua experiência ter datado com o tempo, Below The Root é um exemplo de como nuances de gêneros diferentes podem se encaixar numa jogabilidade coesa. Imagino que caso essa mistura de metroidvania, adventure e plataforma cinemática fosse hoje em um jogo independente, talvez fosse descrito como uma experiência inovadora por quem não conhece o Below The Root de 1984.
Journey To The Centre Of The Earth (1984)
Plataforma: Commodore 64.
Apesar do nome remeter a obra literária de Júlio Verne, o jogo é raso em termo de uma narrativa mais elaboradora. Journey To The Centre Of The Earth se passa em um enorme labirinto subterrâneo, onde estão escondidos 11 tesouros. O objetivo do jogador é encontrar todos os tesouros e devolvê-los à superfície. O personagem pode correr, pular e escalar. Ao longo da exploração, o jogador pode obter itens que irão expandir suas habilidades, necessários para cumprir o objetivo.
Esses itens incluem dinamite para explodir paredes abertas, guarda-chuvas para proteger contra pedras que caem, pílulas de oxigênio para respirar debaixo d’água, uma arma para atirar em inimigos etc. O jogador possui 8 espaços no inventário, cada item e tesouro ocupa um deles. Em certos momentos, o personagem deve voltar a superfície para descarregar o seu tesouro, retornado em seguida para uma nova exploração. Portanto, em Journey To The Centre Of The Earth, o jogador precisa gerenciar seus recursos, além disso, o personagem não pode pular quando seis espaços ou mais do inventário são ocupados, e não pode escalar quando carrega oito. Há a possibilidade de largar itens desnecessários a qualquer momento.
Journey To The Centre Of The Earth ainda segue uma linha de pegar itens no decorrer do cenário e utilizá-los para situações específicas, gastando o uso, não sendo uma habilidade impregnada nas mecânicas do personagem. No entanto, em comparação com outros jogos, a exploração consiste nas idas e vindas no mapa, um fator backtracking bem aparente.
Dragon Slayer 2: Xanadu (1985)
Plataformas: PC-8801, Sharp X1, PC-8001, PC-9801, MSX2, MSX, FM-7, FM-77, Sega Saturn, Microsoft Windows.
Dragon Slayer costuma ser referenciado como o principal metroidvania antes de Metroid, ele apresenta trechos de jogabilidade 2D com elementos de RPG, que fornece uma não-linearidade a progressão, inspirando outros jogos que costumam ser associados a metroidvania como o Faxanadu e Legacy Of The Wizard. No combate, o jogo muda para uma perspectiva vista de cima para os personagens em tela. Na minha visão, o Xanadu acaba contribuindo mais nas características de RPG do que no tipo de progressão particular de um metroidvania, o qual envolve essa maneira de lidar com a exploração espacial.
Tritorn (1985)
Plataformas: NEC PC-8001, Sharp X1, NEC PC-9801, FM-7, MSX.
Tritorn foi um dos primeiros títulos de perspectiva 2D que conseguiu combinar elementos de RPG com um combate em tempo real, mesmo que precário comparado a jogos em anos seguintes. É dito como um metroidvania por apresentar uma progressão aberta de acordo com habilidades permanentes. O jogador consegue alguns deles matando um grande número de certas criaturas e também pode encontra-los de outras formas.
A evolução do personagem tem relação com poderes mágicos para lidar melhor com o combate, mas, Tritorn apresenta itens absolutamente necessários para a exploração. Há uma chave que abre certas paredes, uma vela que permite que você veja portas escondidas e uma poção que aumenta a velocidade de caminha e outra para maior altura do salto. Tritorn é um jogo com características similares ao Xanadu, inclusive lançado também em outubro de 1985, porém, pelo fato do segundo Dragon Slayer ter sido um sucesso maior, tornou-se mais relembrado ao longo do tempo.
Brain Breaker (1985)
Plataforma: Sharp X1.
Brain Breaker é um jogo onde seu personagem está isolado em planeta alienígena, o objetivo é encontrar e destruir uma inteligência artificial que ficou descontrolada. O jogo é obscuro, difícil de encontrar vídeos e até imagens de sua gameplay. Muito desse fator se deve a exclusividade de seu lançamento para o Sharp X1, computadores caseiros vendidos no Japão entre 1982 e 1988.
O jogador pode adquirir armas diferentes, tanto para lidar com os inimigos quanto desbloquear a progressão. Uma delas quebra paredes e outra possui o nome similar ao jogo, servindo para desabilitar dispositivos eletrônicos. O personagem pode conseguir um jetpack que garante uma verticalidade a exploração. Posteriormente é possível adquirir um veículo e mais para o final, o personagem consegue uma habilidade em que fica super poderoso, onde além de voar, possui uma aura que destrói tudo em seu caminho.
Brain Breaker é um jogo confuso. Apesar de bem impressionante para sua época, fica difícil de distinguir visualmente a progressão do jogo. O protagonista constantemente conversa com seu computador pessoal por meio de um rádio, porém ineficiente se você não lê em japonês. Por conta disso, é bem complicado seguir na jornada por conta própria, sem o auxílio de um guia.
The Sacred Armour of Antiriad (1986)
Plataformas: Amstrad CPC, Commodore 64, MSX, ZX Spectrum, Apple II, IBM PC, TRS-80 Color Computer.
Não consegui encontrar a data precisa de seu lançamento, mas os locais que falam sobre esse jogo dizem que foi antes do primeiro Metroid. The Sacred Armour of Antiriad começa de uma forma bem convencional, da esquerda para a direita em um cenário de floresta. No entanto, quando o personagem encontra a armadura sagrada, acontece um plot twist, pois o jogador pode flutuar, liberando uma progressão vertical surpreendente.
Há uma variação de ambientes mesmo que sua jogatina seja bem curta. Apesar da exploração do jogo se basear em apenas um recurso, a armadura, é o suficiente para oferecer uma sensação de descoberta, tão fundamental no gênero metroidvania. The Sacred Armour Of Antiriad consegue atiçar curiosidade e surpresas positivas que definem esse tipo de experiência.
Cross Blaim (1986)
Plataforma: MSX.
O lançamento desse título e o próximo datam após o primeiro Metroid, para o fim do 1986. No entanto, é importante deixar o registro de suas existências e as ideias que apresentavam quase que em paralelo com o jogo da Nintendo. No caso do Cross Blaim, seu desenvolvimento havia iniciado em junho daquele ano, mas ele possui um certo apelido como se fosse o “Metroid do MSX”. Esse foi o jogo mais difícil de conseguir informações mais concretas, mas havia imagens pré-lançamento que ele parecia diferente do produto final, há teorias que o Metroid acabou mudando a suas ideias originais.
Os aprimoramentos da gameplay do jogo se dão para compra de armas através das moedas coletadas ao derrotar inimigos. A progressão de Cross Blaim está em destruir as paredes e o chão descobrindo as passagens, inclusive elevadores escondidos que são os meios para se passar de uma área para outra. Encontrei algumas informações sobre haver mais de um final, mas vendo gameplays, o jogo se encaminha mesmo para um desfecho, talvez estivesse na ideia original de Cross Blaim? Talvez.
Arac/Spiderbot (1986)
Plataformas: Commodore 64, Apple II, MS-DOS.
Spiderbot é como esse título é conhecido na América do Norte e no resto do mundo como Arac. Pelos nomes já dá a entender que o jogador controla uma aranha androide. O objetivo é desativar o núcleo de um reator que está prestes a explodir esse ambiente que é uma selva misturada com uma estrutura tecnológica. O jogador percorre esse labirinto e precisar cumprir essa tarefa em 30 minutos, é o estado de falha do jogo, precisando iniciar desde o começo.
A aranha androide possui movimentos simples, um pulo de curta distância, mas a principal mecânica de Spiderbot é a rede que ela pode lançar. O jogador precisa capturar os inimigos presentes pelas áreas, pois oferecem habilidades extras a aranha. Essa dinâmica consiste em um desafio de paciência, pois a trajetória do lançamento da teia somado a queda da rede precisa estar no timing certo do momento em que o inimigo estiver embaixo, cada um deles se movimenta de forma diferente pela tela.
Alguns inimigos podem cavar a terra, outros permitem que a aranha pule mais alto, entre outros. Dentro dos 30 minutos que se passa Spiderbot, o jogador precisa encontrar as habilidades certas para acessar a área final e cumprir o objetivo principal. A progressão de Arac está em aprender a cada falha e traçar o caminho da forma mais eficiente para reduzir o tempo, há uma necessidade de conhecer o espaço quanto de utilizar as habilidades dos inimigos para desbloquear esse quebra-cabeça de telas jogáveis interconectadas.
O passado ensina sobre a diversidade dos metroidvanias
Nos anos 80 para trás é difícil ter certeza sobre a indústria dos videogames, pois houve diversos jogos que tiveram pouco ou nenhum registro, um dos motivos, citado aqui, têm a ver com lançamentos em dispositivos muito específicos. Por isso, pode haver outros jogos que de uma forma ou de outra possuem elementos que podem se conectar com o que Metroid estabeleceu em 1986.
Jogos de diferentes focos se relacionam quando colocamos uma perspectiva futura, o passado mostra que esse tipo de experiência já era experimentado de diferentes formas. Interessante é ver esse agrupamento de ideias que na época talvez nem se casavam, enquanto hoje em dia, o gênero metroidvania está se ramificando além de apenas duas franquias
No decorrer dos anos, a sensação de exploração do gênero tende a diversificar ainda mais, transitando em diferentes tipos de experiências, e, inclusive, permitindo que consigamos avaliar melhor o seu próprio histórico.