As idas e vindas, as confusões do termo metroidvania

Desde que o gênero ressurgiu na última década, tornando-se mais popular, o termo vêm recebendo críticas e sugestões para alterar de nome. Mas, por que, enquanto existe essa confusão, é tão difícil de elaborar com sucesso outro nome?

Erick Lúdico
10 min readOct 3, 2021

Na nossa convivência com videogames, além de aprendemos a manusear os controles e o que nos é apresentado na tela, tivemos uma alfabetização de termos utilizados nos jogos, uma verdadeira mistura de idiomas que parecem só fazer sentido nesse contexto específico. Por alguns conceitos estarem tão impregnados na indústria dos videogames, soa até meio desnecessário fritar os neurônios com coisas tão “básicas”. Só que nada surge simplesmente do nada, como mágica. Uma compreensão mais elaborada sobre algo que parece ser tão simples acaba nos ajudando a mudar de perspectiva, fortalecendo nosso elo com determinada coisa.

O termo metroidvania é algo que, para mim, foi esse algo que surgiu do nada, mas, rapidamente fez sentido diante da minha bagagem de experiências com os videogames. No entanto, diante do seu histórico cheio de lacunas, parece mais um dos elefantes no meio da sala, que nos lembra a confusão que é a forma que classificamos as diferentes experiências jogáveis. Assim como descobrir um caminho nos labirintos nos dá prazer de imaginar novas possibilidades de exploração, a tentativa de desembolar alguns nós desse termo tão embaraçado, talvez nos auxilie em fortalecer o elo que temos com esse gênero o qual gostamos tanto de se aventurar e nos perder.

Antes de mais nada, o que é metroidvania?

O nome é uma junção de “metroid”, vindo da série de jogos da Nintendo, protagonizado pela Samus Aran, uma caçadora de recompensas em jornadas espaciais em planetas hostis. O “vania” vem de Castlevania, a série gótica da Konami, da batalha interminável dos caçadores de vampiros (os Belmonts) contra o Conde Drácula que vive reencarnando junto de seu castelo. Um nome formado pela junção de duas franquias dos videogames pressupõe que seu entendimento requer pelo menos conhecer do que se trata a experiência dessas séries, ou pelo menos de uma. Porém, na verdade, metroidvania é até simples de explicar:

É um tipo de jogo cuja progressão é movida pela exploração de um ambiente com áreas interconectadas, elas são cada vez mais acessíveis conforme o jogador adquire novas habilidades.

Quando falo habilidade, deixo claro que não é um item, como pegar uma chave e destrancar uma porta que bloqueava o caminho, mas é uma adição às gameplay base. O personagem vai adquirindo novos verbos para interagir com que está em volta. Essa questão de as habilidades desbloquearem os caminhos, permite com que o jogador sempre olhe esse mundo de forma diferente, quebrando expectativas anteriores.

O nome metroidvania consegue condensar esse tipo de experiência, associado a essas duas franquias. Não é por falta de tentativa que já poderia ter um nome de mais fácil assimilação para quem não familiarizado. Mas, por exemplo, chamar de plataforma não-linear, aí podemos inserir jogos diversos que não entregam o mesmo tipo de experiência de um Super Metroid ou Castlevania Symphony Of The Night. O nome metroidvania, sem dúvida, cumpre a função de resumir um tipo de jogo específico com poucas palavras.

Como esse nome foi inventado?

Jeremy Parish é dito como quem cunhou o metroidvania, mas ele afirma que conheceu o termo por um ex-colega, Scott Sharkey, ambos trabalhavam no site 1UP.com. Scott usava o nome para descrever os Castlevania que lançavam na época: final dos anos 90 e começo dos anos 2000 (até o Aria Of Sorrow provavelmente). Esses jogos da franquia, na sua visão, tinham uma forma de explorar o mundo semelhante à série Metroid. O papel de Jeremy Parish, após ter ciência do termo, foi de divulgar o metroidvania de todas as formas que encontrava ao descrever jogos similares.

Castlevania Aria Of Sorrow

Na década de 2000, esse tipo de experiência era muito restrito a Metroid e Castlevania, nos portáteis da Nintendo, portanto, ele foi se tornando mais útil com ascensão dos indies a partir de 2008, no momento de identificar um Shadow Complex, por exemplo. Nos anos seguintes, a palavra metroidvania era de fácil uso quando outros títulos de menor orçamento buscavam trazer esse tipo de experiência em seus jogos, lembrando que antes houve alguns títulos com tais características, porém, com menos destaque. Cada vez mais jogos que contavam com essa fórmula foram lançados, naturalmente se passou a discutir se metroidvania era mesmo um bom termo para descrever o gênero.

Em 2019, um texto no Kotaku escrito por Joshua Rivera afirma que Metroid e Castlevania juntos podem dar a entender 4 temos distintos: metrô, androide, castelo e Transivânia. Como despejando esses quatro nomes para uma pessoa, garante que ela junte esses significados para associar a um gênero de videogame? Talvez essa seja a maior problemática do termo, além do fato que essas franquias possuem jogos que não se encaixam a essa fórmula. Tal avaliação vale, em especial, a Castlevania, tanto antes do Symphony Of Night quanto a outros jogos no futuro, mesmo quando a franquia ficou bastante associada a metroidvania.

O problema com gêneros de videogame

Essa falta de clareza, de um termo não representar de forma amigável o tipo de jogo, está longe de ser uma exclusividade do metroidvania. O papel dos gêneros de videogame é descrever pelo nome o tipo de interação, por exemplo, “tiro em primeira pessoa” é fácil de se entender do que se trata. No entanto, esse é um dos termos mais sucintos no meio de vários tão confusos.

O gênero “adventure” não se trata de uma aventura como um Zelda, mas são jogos narrativos que envolvem quebra-cabeças e diálogos, experiências mais cadenciadas, até pela forma como os verbos não são atrelados a comandos simples de apertar botões, pela sua forte associação com os PCs. Temos o gênero “plataforma” que não é de tão simples entendimento, caso uma pessoa não familiarizada ouça apenas o termo sem ter um contexto. Porém, citando em seguida o Mario, que sua base envolve o salto, aí é possível compreender melhor e puxar na mente a imagem desse tipo de jogo em particular.

Um exemplo bem claro de como gênero nos videogames são confusos é o The Game Awards, um dos eventos mais populares da indústria. No meio das premiações, há uma para jogo de ação e outra para jogo de ação/aventura. Ao ver as listas, sempre vem a discussão: por que faz tal jogo tá em aventura e não na ação? A dúvida do contrário também ocorre. Enfim, já deu para entender que um esforço para alterar na marra o nome de um gênero é complicado. Mas isso não quer dizer que seja inútil discuti-los, muito pelo contrário, conhecer cada vez mais os tipos diversos de experiências que um videogame proporciona, nos força reflexões como:

Qual o elo em comum dessa diversidade que define tudo isso como jogo? Por onde mais os videogames podem proporcionar cada vez mais formas distintas de interagir com um meio virtual? Existe um limite em assumir outras corporalidades, interagir com outras materialidades, executar verbos, até o momento, inimagináveis?

Categorias do The Game Awards 2020: melhor jogo de ação, melhor jogo de ação/aventura.

A consequência de uma popularidade atrasada

Saindo um pouco das abstrações mirabolantes, existe um fenômeno curioso que ajuda a elucidar uma questão importante que ocorre com o metroidvania. Quando o Doom saiu (1993), o gênero de tiro em primeira pessoa era chamado de “clone de Doom”, e nos anos seguintes surgiu o termo o qual conhecemos hoje. Mas, baseado nesse exemplo, o fato de metroidvania ter sido nomeado como tal tenha a ver com o atraso de uma popularidade que ultrapassasse o Metroid e o Castlevania, que é o que está ocorrendo a partir da década de 2010, impulsionada por jogos independentes.

Quando o primeiro Metroid lançou, não surgiram vários jogos em seguida utilizando da mesma fórmula. O Metroid 2 tinha outra dinâmica e foi o Super Metroid quem aprimorou a experiência do original. Apenas o Symphony Of The Night foi um indicativo de que esse tipo de experiência poderia aparecer uma outra franquia, era de fato uma fórmula. No caso de Doom, houveram muitos clones nos anos seguintes, das mais variadas formas, tanto de temática quanto de dinâmicas de gameplay. Metroidvania teve um em 1986, aí o outro veio em 1994 e estabeleceu a fórmula em 1997, ou seja: um longo intervalo de oito anos, e depois de mais três. Mas mesmo com toda a importância que Symphony Of The Night tenha, depois de 1997, foram mais onze anos de um tipo de experiência associado a apenas essas duas franquias.

Metroid (1986), Super Metroid (1994) e Castlevania Symphony Of The Night (1997).

Apesar de haver outros jogos com características de um metroidvania nas lacunas entre os lançamentos dessas duas franquias, como já dito, não tinham um peso de um Metroid ou Castlevania, além de não ter existido um volume de lançamentos como ocorreu com os clones de Doom. É bom lembrarmos também que essas duas franquias não são reconhecidas por venderem como água no deserto, fora que estavam em consoles portáteis, considerados de importância secundária, enquanto os consoles de mesa possuem essa moldura mais mainstream.

Mal comparando, a situação do termo metroidvania é tal qual uma doença que surge, espalha de forma silenciosa e quando nos tocamos da sua existência, já estamos adaptados a ela. Isso me lembra quando era criança e descobri que existia ácaro, que eles ficavam no colchão e nos travesseiros. Tive um momento de sentir uma agonia de ter convivido com esses seres sem saber, mas, era uma coisa que não podia simplesmente eliminar da face da Terra.

Os títulos independentes renasceram o metroidvania, e só agora, depois de duas décadas é que esse fenômeno de “clone de Metroid e Castlevania” está ocorrendo. É algo diferente do que aconteceu Dark Souls por exemplo, ele lançou em 2011 e durante a década vários jogos utilizaram dessa fórmula, surgindo a discussão de existir ou não um “soulslike”, de ser de fato um novo gênero, de haver um termo melhor para classifica-lo.

Outras formas de enxergar esse tipo de experiência

É realmente complicado lançar apenas o nome metroidvania e esperar que todos entendam, mas, ele descreve de forma sucinta uma experiência particular. No entanto, interessante é notar um esforço para mudar o nome. Seja inverter a ordem com o “castleroid”, existir uma sugestão do nome “pathfinder”, que significa, ao pé da letra, “buscador de caminho”, isso faz até certo sentido, mas numa rápida pesquisa descobri que é a denominação de um outro gênero que nem fazia ideia que existia.

Mas um dos nomes alternativos a metroidvania possui uma relevância maior: o “search-action”, a forma que eles são nomeados no Japão (探索アクション). Esse nome dá para traduzir como “ação-exploratória”, que é inclusive a maneira que a Nintendo descreve a experiência o Metroid. Em um post no Twitter sobre os 35 anos da franquia, o conhecimento dessa página que em certo trecho descreve o que é Metroid, algo gerou o estranhamento de algumas pessoas, pois termo metroidvania não foi utilizado, algo que na verdade nem faria sentido a Nintendo colocar no texto.

Outra questão importante é se metroidvania é um gênero ou subgênero. Subgênero é uma variação dentro de um gênero, no caso do metroidvania, costumam ser uma vertente de jogo de plataforma. Esses jogos tem a base no pulo do personagem controlado, de fato tanto Metroid quanto Castlevania tem esse aspecto como algo importante. No entanto, há metroidvania que não possui salto. Em Insanely Twisted Shadow Planet nós controlamos uma nave, em Song Of The Deep nos movimentamos debaixo d´água, Yoku’s Island Express é um pinball de caminhos interconectados, em Dandara a personagem se desloca de superfície em superfície.

Insanely Twisted Shadow Planet, Song Of The Deep, Yoku’s Island Express e Dandara.

O que distingue o metroidvania é a relação do jogador com o espaço, independente de mecânicas base. Nisso também entra a não dependência de um combate, a qual em algumas definições parece um elemento chave, devido a grande maioria dos títulos apresentar elementos de ação. O combate é uma forma de observar claramente uma evolução do personagem durante a progressão, tal como ocorre quando um metroidvania possui elementos de RPG. A fantasia de poder é algo inerente a experiência desse tipo de jogo, pois o contato com o desconhecido dá lugar a dominação do ambiente, conhecimento aqui é poder como diz a frase, porém, muito mais abrangente que apenas derrotar os inimigos com mais facilidade.

Devido aos jogos independentes oferecem uma diversidade maior de opções dentro do gênero. Temos agora um entendimento de que ao mesmo tempo que metroidvania pode ditar a principal dinâmica presente, ele pode entrar como elemento adicional, por exemplo: dizer que Dead Cells é um roguelike com elementos de metroidvania. Esse tipo de descrição só ficou comum pela quantidade de jogos lançados e, conforme o tempo passar, vários questionamentos que ainda temos, podem ser melhor elucidados. O futuro ajuda a explicar o passado, passamos a perceber com mais clareza títulos com características desse gênero, que na época de seus lançamentos, estávamos longe de conceber da forma de vemos hoje.

As perguntas que ainda pairam no ar podem continuar existindo, talvez elas nem precisem de respostas, devido a quão mescladas as experiências encontradas nos videogames estão apresentadas hoje em dia, seja de grandes títulos quanto dos indies.

As idas e vindas, essa confusão toda no caminho, curiosamente se comunica em como uma experiência de um metroidvania é projetada pelos desenvolvedores. É bom quando encontramos o fechamento de conexões, só que aí quando desvendamentos a totalidade de uma determinada coisa, não há mais o que explorar, perdendo a graça. O nosso interesse nos jogos se nutre por conseguimos perceber possibilidades mediante as regras presentes. Os metroidvanias, em geral, usufruem dessa nossa perspectiva de enxergar as lacunas como oportunidades para se explorar, a qual buscamos os caminhos a partir da nossa curiosidade. Chega a ser poético o histórico desse gênero ser tão confuso em alguns conceitos, dado os vácuos presentes em seu tempo de existência.

Referências

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Erick Lúdico

Designer | Mestre em Comunicação | Penso, falo, pesquiso, escrevo e etc sobre videojogos 🎮